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domingo, 21 de novembro de 2010

Muitos motivos para não querer meu filho na escola

Ontem matriculei o pequeno no 1º ano. Nada feliz com isso, tento fingir uma empolgação que não tenho quando estou na frente dele, falando sobre como a escola vai ser legal.

Eu tenho algumas dezenas de motivos para não querer meu filho na escola e odiar viceralmente a ilegalidade da educação domiciliar no Brasil.

O primeiro deles, não tenho vergonha alguma de falar, é a questão do preconceito. Isso se desdobra em:

-Eu sou parte de uma minoria religiosa. E a maior parte das pessoas na educação são evangélicos ou espíritas fanáticos, que consideram que sou a) cultuadora de demônios b)cultuadora de uma religião inferior.

Meu filho começa a participar da vida religiosa. E ele acredita na multiplicidade de deuses. Para ele, Jeová é um entre muitos deuses, e ele acha que entre os deuses que não são os de casa, Thor é muito mais legal que ele.

Eu não quero meu filho ouvindo música religiosa, não quero meu filho rezando ou sendo catequisado ou que digam a meu filho coisas sobre o Papai do Céu. Quando as pessoas morrem elas vão para o Hades, não para o céu. E eu não vejo nenhuma chance de que ele não seja submetido a esse tipo de coisa na escola. Eu sou professora. Eu sei o que acontece nas escolas.

Mais do que a questão dos deuses que se adora, vem a questão dos conceitos éticos. "Dar a outra face" e ser como um carneiro passam longe da criação dele. Nem sequer as virtudes que eu o ensino a valorizar são as mesmas dos cristãos.

-Meu filho é uma criança "do clã". O conceito de família dele é "pai, mãe, avôs, avós, tio, tio, tio, tio, tio, tio, tio, tia, tia, tia, tia (repita isso ao infinito)". Ele está crescendo vendo o mundo como um lugar onde ele tem tios de todos os formatos, cores e tamanhos, onde homossexualidade é natural, onde homens usam cabelo comprido, mulheres e homens são iguais, mamãe e vovós trabalham fora e papai e vovôs trabalham em casa. Para ele, família não tem nada a ver com a idéia que nossa sociedade tem de família - o conceito de família ultrapassado que ainda se ensina na escola como único possível.

-Meu filho tem cabelo comprido e gosta de estar bonito. Ele tem calças de veludo cotelê e cacharréis, e se veste como um cara cool desses que frequentam a Casa das Rosas (kkk) quando não está vestido como roqueiro em miniatura. Ele tem suas vaidades e eu assumo, eu valorizo isso como posso. Acho que na nossa sociedade sexista, todo menino vaidoso precisa ser apoiado para viver sua vaidade de uma maneira saudável, e sem ter vergonha disso.

Somando isso tudo, tem o fato dele ser grandalhão e forte. Em 5 segundos vão carimbar nele a palavra "baderneiro" e ele vai carregar esse estigma até sair do ensino médio. Como eu sei disso? Cansei de ver aluno tomando advertência sem sequer estar na escola quando a confusão aconteceu "porque ele é um baderneiro". Os professores esperam que alunos grandes sejam burros e desleixados e embora briguem muito mais com eles, não exigem deles que suas coisas sejam bem feitas, porque automaticamente já consideram que eles são intelectualmente inferiores. Ah sim, ele é canhoto. E "todo mundo sabe que canhotos tem letra feia", mesmo que isso seja um preconceito deslavado.

E eu não quero ensinem meu filho que "rosa é de menina e azul é de menino". Que transmitam uma visão sexista e preconceituosa sobre o papel do feminino e do masculino. Não quero ele cercado de meninas vestidas de cor de rosa e meninos obcecados por competição.

E sim, eu acredito que tenho o direito de poupar meu filho disso até que ele esteja maduro o suficiente para lidar com essas coisas com embasamento e maturidade. Não se dá treinamento de sobrevivência na selva para um bebê de 6 meses. Mas forçamos nossas crianças a lidar com preconceito, sexismo e competição quando eles ainda não tem a menor condição de lidar com isso adequadamente.

Saindo do arco do preconceito, vem a questão de "o que ensinam na escola?"

Estamos falando de uma criança que já lê e escreve, usa as letras de forma corretamente (maiúscula no começo da frase e o resto todo em minúscula, exceto nos nomes próprios), identifica e escreve as letras cursivas, identifica os números até 50, faz somas simples e tem um vocabulário muito amplo. Ele conhece mais sobre animais do que meus alunos da 4ª série. Tem acesso a livros diversos. Usa a internet sob supervisão mas sem ajuda - ele consegue entrar no buscador e procurar o site que quer. Ele conhece mistura de cores, formas geométricas e tem uma noção espacial ótima. Seus desenhos tem linha de horizonte e uma noção rudimentar de planos.

Em sã consciência, ele precisa estar na escola?

Isso tudo sem um estudo feito de maneira sistematizada. Só na base da conversa, dos jogos e interesses dele. Aposto que começando um programa de educação domicilar propriamente dito, ele consegue no que deveria ser o 1º ano estar no nível do 3º ano, respeitando o desenvolvimento dele. E não só em português e matemática, mas globalmente em todas as áreas do conhecimento escolar.

Só para constar - os livros de geografia e história dos meus alunos do 2º ano em uma das salas não foram sequer tirados do plástico. Arte e Educação Física são vistos como um "luxo desnecessário" ou "recreação" (e isso no estadual, municipal, particular, todos). E lembrando - nosso ensino tem índices melhores que os das escolas particulares do meu município.

E no caso em particular do meu pequeno, tenho uma equipe multidisciplinar completa para dar suporte ao aprendizado dele. De pedagogo a professores especialistas, só com pessoas que fazem parte desde sempre da educação dele.

Ai vem a questão que as pessoas sempre perguntam: "mas e a socialização? e o convívio com pessoas diferentes?"

A socialização na escola não é adequada. Ela é feita de maneira forçada, e sob constante ordenação dos adultos. Não é permitido que as crianças se agrupem naturalmente, sem que os adultos intervenham. Além disso, é uma socialização que é feita com o intuito de "nivelar pela média". Na escola, seja de maneira consciente ou inconsciente, o diferente sempre é punido. Existe um favorecimento ao ato de trair os outros e fofocar - delação premiada não é um termo policial, é uma realidade escolar.

Os professores e funcionários carregam os mesmos preconceitos que a sociedade em que eles vivem.

Sendo assim, professores fecham os olhos para casos de bullying, abandonam alunos deficientes no canto da sala e se referem a alunos com dificuldades como "eu já desisti disso" ou alunos com problemas sociais como "isso ai nem adianta, com a família que tem, vai virar traficante". E sim, eles fazem isso na frente dos alunos. E mesmo que não falem, suas posturas assumem isso. E nem me venham falar de escola particular. Porque a realidade de preconceito se torna elevada ao quadrado e a obcessão competitiva de ser sempre o melhor porque só existe o 1º lugar ou os fracassados se torna uma política propagandeada como algo positivo.

A socialização na escola é uma falácia.

Socialização de verdade acontece nos parques, playgrounds, cursos livres, brincando na rua. E isso ele pode ter ainda mais acesso se estiver fora da escola formal, porque os horários de estudo podem garantire muito mais estudo de campo, como ir fazer aula debaixo das árvores do parque, ir a exposições, ocupar parte do tempo do que seria educação física com brincadeiras coeltivas.

E eu poderia escrever muito mais. Mas isso já ficou enorme.

Existem professores bacanas? Existem. Não estou dizendo que todos nas escolas são um lixo. Mas a maioria é exatamente desse jeito. A própria superestrutura pedagógica é assim. Quantas vezes preciso fazer coisas que contrariam a maneira como eu acredito que deveria ser a educação? Passo metade do tempo em uma política de contenção de danos. Todas as escolas que conheci até hoje tinham muito mais pontos negativos do que positivos.

As escolas experimentais ou com projetos não convencionais são raras e inacessíveis para a maior parte das pessoas. Se houvesse algo assim, para mim seria ideal. Temos uma legislação ótima para educação a distância - e acredito que a educação domiciliar poderia utilizar desse tipo de tecnologia. E me vejo obrigada a permitir que meu filho se retraia, provavelmente passe por um processo de involução, desaprenda coisas e crie barreiras, como cansei de ver acontecer com crianças do meu convívio, porque sou obrigada a colocar ele em uma escola.

Escrito por Sarah Helena, publicado aqui.

Obs: esse texto tem a prévia autorização da autora.

Um comentário:

Eliene disse...

Estou com o mesmo sentimento que vc descreveu aqui. Realmente é uma lástima o ensino fundamental ser obrigatório. A gente pode até conseguir escapar da educação infantil (ainda que sob olhares de reprovação de todos que nos cercam), mas o ensino fundamental... só se a gente quiser ser processada por abandono intelectual.
Parabéns pelo texto e pela lucidez. Pêsames a nós todos por vivermos sob o domínio de uma sociedade como a que vivemos.